"Estou postando, hoje, um texto da minha amiga Zislaine (Upa), uma antiga praticante de Aikido e companheira de viajem, uma autêntica e incansável buscadora, que atualmente já deve ter mais de 40 anos de estrada e morando em Natal, Rio Grande do Norte. Segundo eu sei, este texto foi feito, na sua maior parte, por volta dos onze anos de idade, tive o cuidado de não editá-lo, nem atualizá-lo, para não correr o risco de perder o frescor e a identidade, com a ingenuidade e a pureza do modo de olhar o mundo, de uma criança."
Vou com meu avô ver Rainha.
Ela está no campo.
Rainha é uma égua branca, linda, cheia de vida.
Quando a vejo, meus olhos crescem de alegria, quase não dá vontade de dizer nada.
Ela é surpreendente.
Ela é ágil, forte, educada.. Só atende aos adultos, principalmente a voz de meu avô.
Meu avô é grande.. Eu sou pequena. Quando vamos ao campo, ele me pega pela mão e lá vamos nós.
Olho tudo a minha volta.
O sereno ainda brilha na grama do campo, os quero-queros já estão lá encima, montando guarda.
Vejo o açude.
Rainha está pastando próximo ao açude. Mais atrás do açude, tem uma cerca de arame farpado.
E mais campo que vai ate se encontrar com o céu, lá diante... vejo os matos de eucaliptos. sinto o perfume que vem das árvores... sinto o cheiro da terra, ainda úmida, do sereno da noite.
Meu avô caminha devagar pra que eu possa acompanhá-lo. O passo dele é lento, o meu é apressado.
O sol já tá aquecendo a manhã e secando o pasto. As nuvens vão passando, espaçadas, magras, esgarçadas e vão se esticando cada vez mais, se separando e se recriando em mais nuvens magras.
O Céu é azul.. O céu é encantador.
Estou feliz. É normal estar feliz quando vou passear no campo com meu avô.
Gosto de ver esse encontro entre ele e a Rainha. Quando ele faz: op! op! op! com sua voz grossa, ela deixa tudo que ta fazendo e vem ao seu encontro, balançando a cabeça pra cima e pra baixo enquanto caminha, espanando as costas com seu rabo espanador.
Tenho medo, mas ele diz:
-não precisa ter medo. o vô tá aqui.. e recomenda, só vem ao campo com o vô ou com a vó, tá certo? E se volta para cuidar da égua.
Eu não chegaria perto de um animal assim tão grande que em encanta e me assusta.. não, mesmo..
Mas nessa manha tem algo diferente no céu. tem dois sóis.
Tem o sol de todas as manhãs, amarelo, dourado ainda meio frio como ele é de manhã, e um outro, todo vermelho, escuro como se tivesse anoitecendo.
O sol da manha e o sol to entardecer estão juntos.
O sol do entardecer esta sobre o sol de todas as manhãs.nunca tinha visto isso assim, antes... ainda de mãos dadas com meu avô, olho pra ele para ver o que ele me diz...
Ele não diz nada, continua caminhando na direção da égua que está pastando calmamente, próxima a cerca de arame farpado, ela come capim, arrepia o pescoço enquanto abana o rabo e bate com uma das patas dianteiras no chão, certamente para espantar as moscas... mesmo parada, pastando, ela é movimento por todo o corpo.
Volto a olhar o céu.. ele está do mesmo jeito, azul.. com o sol amarelo, mas tem esse sol vermelho também. E isto hoje chama minha atenção. meu avô larga minha mão e eu fico ali, parada, olhando, olhando...
Então sinto a voz de meu amigo invisível, o mesmo que me ensina a falar, vindo de dentro de meu peito e ele diz: -Procura tua escola de arte marcial. Mas, nada sei sobre arte marcial,mas ao mesmo tempo em que não sei, sei sim..
Meu amigo, que mora em meu peito e fala com voz de sentimento, chama-se Anjo da Guarda!
Só fiquei sabendo seu nome, algum tempo depois, minha tia me contou.
Ele me diz claramente: -Procure por esse sol, procure sua escola de arte marcial, você vai precisar dela, para voltar pra casa... eu respondo a ele que não sei aonde ir, pois não conheço lugar algum, a não ser a casa de meus avôs e o campo.. ele entende e responde; -Espere, a escola achará você, será uma espera longa, não se esqueça.
Meu amigo, Anjo da Guarda, se cala.
Olho pro meu avô. ele ta ali cuidando de Rainha, escovando seu pelo e jogando água encima dela. Rainha está tomando banho! Meu avô está em seu mundo e eu, ainda não cheguei no dele. Ainda estou mergulhada em meu próprio mundo, onde as coisas falam e aparecem assim, desse jeito. Um sol vermelho de fim de tarde sobre um sol amarelo , ainda frio, no céu de uma manhã no campo de minha primeira infância..
Muitos anos depois re-descubro esse sol, é o Símbolo do Japão e a escola de arte marcial , embora idas e saídas, é o Aikido.
Mas isso dai já é outra estória.
Upa
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por postar seu comentário, sua opinião é muito importante.