segunda-feira, 4 de junho de 2007

SOBRE O CAMINHO

É com profunda preocupação que observo a atitude belicosa destrutiva de alguns orientadores e instrutores de artes marciais no que se refere ao desenvolvimento do trabalho de seu ensino. É por esse motivo que escrevo aqui algumas palavras sobre a transição, tanto histórica quanto filosófica, ocorrida nas artes combativas no decorrer do fluxo do tempo.
Segundo o doshu do Aikido, Kishomaru Ueshiba, “as artes marciais japonesas tiveram seu foco primeiramente voltado para o ideal de vitória nos campos de batalhas...”. De fato, as artes bélicas desenvolveram-se para a luta, a proteção e a guerra. “Mas este tipo de vitória tem vida curta, ela passa rapidamente e desaparece.” Esta é uma vitória frágil, isto é, se hoje sou vitorioso, amanhã posso ser derrotado! Quem se dedica a vencer uma batalha ou uma competição está semeando uma frustração futura, pois ninguém vence sempre. O treinamento, feito dessa forma, é totalmente voltado para algo exterior, que está fora de si mesmo. Pelas palavras do doshu: “Esta contradição foi resolvida pela formação do budo (O caminho das Artes marciais) e do seu expoente mais moderno, o Aikido. O Aikido ensina o caminho de realizar a vitória absoluta, baseada na filosofia da não-competição”. Ainda pelas sábias palavras do fundador, Morihei Ueshiba, “olhando da perspectiva do Universo, nossas lutas, vitórias e derrotas não são apenas insignificantes, na realidade elas não existem”.
Primitivamente, as artes marciais, pelo menos as japonesas, traziam o sufixo jutsu, que definia uma prática marcial no seu sentido mais beligerante possível, do tipo matar ou morrer, que tinha como motivação a derrota de um inimigo, a destruição de outro ser humano, através do uso da técnica. Como exemplos, cito o Kenjutsu o Jujutsu e o Aikijutsu, compreensíveis na idade média, uma época de lutas feudais e de barbárie; mas, e hoje? Será que é certo insuflar a violência nos jovens que buscam em academias algum tipo de formação? Jovens estes que, por sua própria falta de experiência, são levados por algumas propagandas enganosas, algumas vezes, a acreditar que irão se tornar invencíveis? É certo induzi-los a acreditar que existe algo de bom em sair pelas ruas para procurar inimigos ou até pessoas leigas, para derrotá-los, para tentar provar uma falsa superioridade, um falso poder, uma vez que o verdadeiro poder é ter consciência de possuí-lo e não de usá-lo?
Assim, sabiamente, os grandes mestres japoneses reuniram-se no pós-guerra e decidiram realizar uma mudança filosófica e, conseqüentemente, de nomenclatura, adotando a idéia de as artes serem um do (um caminho filosófico, um caminho de vida) e não um jutsu, apenas uma técnica de luta desprovida de um sentido maior.
O Sensei, Morihei Ueshiba, dizia que o praticante de Aikido deve ter uma mente e princípios a serviço da paz entre todos os seres humanos e não apenas desejar ser mais forte que os outros ou praticar para poder derrotar adversários. O verdadeiro Budo é um trabalho de amor pelos seres humanos. É a atividade de dar vida a todos os seres e não de matar e lutar uns com os outros. O Amor é e deve continuar sendo a divindade guardiã de tudo no Universo; é a força que criou e mantém o universo e nada pode existir sem ele. O Aikido é a realização disso, por ser Amor por excelência. A essência do amor é a aceitação, o acolhimento, não sendo apenas teoria para um praticante de Aikido, que a todo o instante, através da prática psicocorporal, está exercitando a aceitação em vez da resistência e da negação, isto é, buscando resolver conflitos e não criá-los.
O mote principal do Aikido é a formação de pessoas, não a sua destruição. Muito, mas muito tempo antes de superar os outros, o estudante de Aikido deve treinar exaustivamente para superar e entender os seus inimigos interiores, como vaidade, egoísmo, individualismo e medos inconscientes. O treinamento é voltado para o próprio crescimento através da busca pela perfeita união entre o espírito, a mente e o corpo, fortalecendo a personalidade e desenvolvendo um bom caráter. Somente assim o praticante de Aikido poderá auxiliar outros em sua caminhada para um mundo melhor.

R. C. Vargas Fº

Uma luz fraca não pode iluminar o caminho de outros.

3 comentários:

  1. Sábias palabras de uma pessoa que realmente pratica o que filosofa. Lembro de uma frase dita por ele a algum tempo atrás em uma entrevista : "Facil é destrui uma pessoa, o dificil é contruir uma".

    Acredito que para aumentarmos nossa luz é necessário identificarmos nossas trevas. O aikido é uma ótima ferrramenta para tal. Abraço Marcio Kurtz.

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  2. Acho que o artigo "O primeiro Sensei a gente nunca esquece", no site: http://www.aikidotensei.com.br fala sobre o sr., muito interessante.

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